Maquiagem
"A maquiagem acompanha o olhar, a sede de nossas expressões, desde sempre".
Muitos pensam que as preocupações com a beleza são o empurrão para o consumo da nossa sociedade atual, ávida do lucro. Nada de mais falso.
Estas preocupações, que pensamos serem atuais, de fato, datam de mais de três mil anos, no antigo Egito. "A bolsa de maquiagem de Cleópatra
não ficava muito longe da nossa: kohl, maquiagem branca, blush, lápis de sobrancelha, protetor
labial" [7].
Naqueles tempos,
mulheres (e homens) se maquiavam, sobretudo, por uma questão de saúde. O ato de se maquiar, contudo, desde sempre
também interessou ao outro.
Elogio da Maquiagem
No seu texto bastante conhecido sobre a maquiagem, o poeta francês Charles Beaudelaire faz referência a uma canção trivial na qual se diz que
La nature embellit la beauté! (A natureza embeleza a beleza!).
Para o autor das
Fleurs du mal, entretanto, isto não passa de uma
estética das pessoas que não pensam. Explicando melhor as coisas, o
autor de
Os Gatos prossegue, dizendo que em prosa, aquilo equivaleria a dizer o seguinte: "A simplicidade embeleza a beleza! o que equivale a esta verdade,
de um tipo completamente inesperado: O nada embeleza o que existe" [idem].
Neste texto bastante interessante sob diversos aspectos, o poeta maldito diz, em resumo, que a natureza só leva o homem a fazer o mal. O bem, para ele,
é o resultado de um artifício. Um pouco como para Thomas Hobbes (1588-1679), filósofo inglês do século 17, para quem, entregues às suas paixões, os homens se matam.
Ou, para citar a famosa frase do autor do Leviatã e do Cidadão: "o homem é o lobo do homem".
Para Baudelaire, o Bem (assim como o Belo) é o resultado de um esforço adicional, artificial, do homem.
A Nobreza primitiva do adorno
É por esta razão que ele considera o "adorno como um dos sinais da nobreza primitiva da alma humana". Bom, fato é que já Cleópatra (69 a.C - 30 a.C) se maquiava.
Detalhe importante: seu espelho era de bronze! O surgimento de melhores espelhos só ocorreria 1.300 anos depois, em Veneza. Eram espelhos de vidro com uma fina
camada metáica refletora. Os espelhos atuais, contudo, datam do século 19. Por volta de 1830, o químico alemão Justus von Liebig usou nitrato de prata para melhor
refletir a imagem diante do espelho.
Voltando a Baudelaire e à maquiagem, ele diz ainda que
os selvagens (como as crianças) ficam maravilhados diante "da alta espiritualidade da toilette
(maquiagem)....
Moda, deformação sublime da natureza
Mais adiante, ele afirma: "A moda deve, portanto, ser considerada como um sintoma do gosto superposto no ideal do cérebro humano acima de tudo que a vida natural
se acumula nele - grosseira, terrestre e imunda, como uma
distorção sublime da natureza, ou melhor, como uma tentativa permanente e sucessiva de reforma da natureza" [ibidem].
Todas as Modas têm seu Charme
Todas as modas têm os seus encantos, continua Charles Baudelaire. E para melhor admirá-las, "Você tem que imaginá-las vitalizadas, vivificadas
pelas
belas mulheres que as usavam. Só assim entenderemos seu significado e espírito. Se o aforismo todas as modas são encantadoras choca por ser
muito absoluto, diga, e você terá certeza de não se enganar:
todas foram legitimamente encantadoras".
Elevação
O autor do poema
Elevação vai ainda mais longe: "
A mulher está no seu direito, e até ela cumpre uma espécie de dever ao se esforçar para parecer
mágica e sobrenatural; ela deve surpreender, ela deve encantar; ídolo, ela deve se cobrir de ouro para ser adorada".
O poeta vai ainda mais longe ao afirmar que pouco importa os meios utilizados para alcançar seus objetivos. O que conta mesmo é o resultado: "o efeito sempre
irresistível". Todos os meios usados pelas mulheres "para consolidar e divinizar, por assim dizer, sua frágil beleza", para o poeta, estão legitimados.
A fragilidade da Beleza
E justifica: desta maneira a mulher "Deve, portanto, tomar lançar mão de todas as artes e meios para elevar-se acima da natureza para melhor subjugar os corações e
golpear os espíritos".
A Mágica da Maquiagem
Ilustrando melhor seu pensamento, Baudelaire cita como exemplo o pó para cobrir as manchas do rosto, o negro das sombras nos olhos e o vermelho no rosto:
O pó cobre o "grão e a cor da pele, cuja unidade, como aquela produzida pela camisa, aproxima imediatamente o ser humano da estátua, isto é, de um ser divino e superior".
E continua: "Quanto ao preto artificial que envolve os olhos e o vermelho que marca a parte superior da bochecha, embora o uso é traçado a partir do mesmo princípio,
da necessidade de superar a natureza, o resultado é feito para para satisfazer uma necessidade muito oposta. Vermelho e preto representam vida, vida sobrenatural
e excessiva; esta moldura preta torna o olhar mais profundo e singular, dá ao olho uma aparência mais decidida de uma janela aberta ao infinito; o vermelho, que
inflama a maçã do rosto, aumenta ainda mais a clareza da maçã e adiciona paixão a um belo rosto feminino mistério da sacerdotisa" [ib.].
Escrito em 1868, este texto continua como visão profunda e penetrante do maravilhoso mundo da maquiagem, sob o prisma da apreciação de um artista do quilate de
Charles Baudelaire, dotado de uma grande sensibilidade.
Para concluir, o poeta diz que a maquiagem não deve se esconder, muito pelo contrário:
"A maquiagem não precisa se esconder, para evitar ser adivinhada; ela pode, ao contrário, espalhar-se, senão com afetação, pelo menos com uma espécie de candura".
E para provar, basta ver no olhar do artista ou das mulheres, as quais "receberam desde o nascimento uma centelha deste fogo sagrado com o qual gostariam de ser
totalmente iluminadas".